O desafio de fazer pesquisa científica no Brasil
Um país não faz ciência apenas investindo financeiramente em cientistas e laboratórios. Esses investimentos são necessários, mas não são suficientes. É preciso ter em mente que o progresso está naquilo de positivo que a ciência pode oferecer a um país e aos seus cidadãos. E isso fica claro quando se analisa a situação do apoio à pesquisa científica no Brasil, que ainda sofre, muito mais do que de falta de recursos, de uma burocracia sem fim que atravanca toda e qualquer iniciativa. Além disso, os cientistas brasileiros estão enfrentando grandes desafios em 2016, com cortes ainda maiores nos orçamentos e a arrecadação menor afetando as agências de financiamento.
A pesquisa científica brasileira corresponde a apenas 3% da produção mundial. Segundo o ranking da Nature Index, que se constitui de um conjunto de artigos científicos publicados anualmente em um seleto grupo de jornais de alta qualidade, o Brasil ocupa a 24ª posição mundial no que concerne à produção de artigos, com 991 produções contabilizadas. Destas, 760 advêm da área de Física, 160 das Ciências da Vida, 45 das Ciências Ambientais e 93 artigos da área de Química.
Segundo os especialistas, as publicações são particularmente importantes no início da carreira, para que o pesquisador se exponha e exponha seu trabalho à comunidade científica de sua área. Isso traz possibilidades de intercâmbio que podem ajudar as pesquisas a gerarem bons frutos. Mas o que dificulta a realização de pesquisas científicas no Brasil? O que preocupa o pesquisador que realiza um estágio promissor fora do país na hora de retornar, e aplicar o que aprendeu na prática?
Para Alexander Birbrair, biologista celular que está retornando ao Brasil depois de um pós-doutorado na área de pesquisa de células-tronco no hospital Albert Einstein, em Nova York (EUA), a burocracia que cerca a importação de material científico ainda é um dos principais entraves para a realização das pesquisas. “A principal diferença entre o que é praticado no Brasil e nos Estados Unidos está no investimento que se faz em ciência. Se esse investimento fosse equivalente, o Brasil facilmente estaria na frente. Como as vantagens dos Estados Unidos são principalmente econômicas, isso pode ser mudado no Brasil se houver maior investimento na ciência e nos cientistas que já estão no país fazendo trabalhos maravilhosos e publicando artigos em renomadas revistas científicas”, disse. Além disso, os altos preços cobrados pelos materiais e a demora na entrega fazem com que o país vá perdendo espaço para países europeus e Estados Unidos.
Birbrair, que tem experiência nas áreas de Biologia e Genética Molecular, Farmacologia, Fisiologia, Patologia e Biologia Celular, ilustra seu comentário contando uma experiência pessoal vivida recentemente que mostra como a burocracia pode afetar negativamente a pesquisa científica. “Há alguns meses demos início a um estudo e para isso precisamos trazer camundongos transgênicos dos Estados Unidos para o Brasil. O processo levou mais de três meses. Já nos Estados Unidos, quando realizamos o mesmo trâmite, com animais vindos do Japão, levamos apenas duas semanas”.
E Carlos Kiffer, pesquisador na área de Epidemiologia de Resistência Bacteriana na Escola Paulista de Medicina e coordenador médico de um laboratório de pesquisas farmacêuticas, ressalta: “Falta de investimento se contorna com parcerias, buscas de novos recursos, criatividade e gestão eficiente. Mas a burocracia, a meu ver, contradiz uma das essências da pesquisa científica – a criatividade”.
Nas pesquisas corporativas da área farmacêutica, diz ele, as maiores dificuldades estão relacionadas à falta de políticas nacionais amplas para investimento em inovação farmacêutica, com linhas de fomento duradouras e sustentáveis, acordos internacionais sólidos, melhorias na cadeia de suporte à pesquisa farmacêutica, fixação de pesquisadores no Brasil e parcerias mais ágeis entre universidades e empresas”, diz Kiffer.
Para Marcos Eberlin, que atua no Laboratório ThoMSon de Espectrometria de Massas, vinculado ao Instituto de Química (IQ) da Universidade de Campinas (Unicamp), o Brasil ainda está muito isolado do resto do mundo, por isso as dificuldades com importação de materiais e equipamentos. “Temos muitos desafios a serem vencidos, mas com certeza eles já foram maiores. Na área em que atuo temos uma quantidade significativa de boas empresas no país, com bons produtos e prazos de entrega mais ágeis”, diz. Eberlin foi o primeiro cientista sul-americano a receber a medalha J. J. Thomson, conferida bianualmente pela Fundação Internacional de Espectrometria de Massas, em agosto, durante a 21ª Conferência Internacional de Espectrometria de Massas, realizada no Canadá. Seu nome foi escolhido entre 17 candidatos indicados graças aos relevantes serviços para o desenvolvimento e propagação da espectrometria de massas.
Diz ele, ainda, que diante das condições impostas aos pesquisadores brasileiros, muito se tem feito. “Ainda sofremos muito preconceito contra a ciência praticada nos países do terceiro mundo; muitos dos nossos trabalhos são vistos com restrição, e mesmo assim temos feito muita pesquisa interessante com o pouco que temos”.
Em virtude das dificuldades em se realizar pesquisa científica no Brasil e em países em desenvolvimento, se presencia uma emigração de pesquisadores para países com tradição nesse segmento. Os principais problemas enfrentados pelos pesquisadores, no Brasil, são os baixos salários, dificuldades para se conseguir financiamento e para se dedicar integralmente à pesquisa.
Integração com o setor produtivo
Com recursos expressivos aplicados de forma continuada e um programa de formação de pesquisadores no exterior, um país pode formar pesquisadores de nível internacional capazes de obter importantes prêmios acadêmicos. Porém, esses mesmos pesquisadores, apesar de brilhantes, podem estar desvinculados da realidade do seu país de origem, que não conseguem transformar seu conhecimento em benefícios para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Segundo os pesquisadores, para que o Brasil se torne uma potência científica, é necessária uma mudança profunda em toda sua estrutura, desde a desburocratização da política de exportação e importação de material científico até investimentos vindos da iniciativa privada. As empresas brasileiras ainda não exploram o potencial da interação com institutos de pesquisa e universidades.
“Temos evoluído nos últimos anos em relação a esta integração, onde diversas iniciativas de parcerias entre universidades e empresas têm sido bem-sucedidas. Porém, nossa compreensão entre as partes – universidades e empresas – ainda precisa ser aprimorada. Além disso, nosso ambiente jurídico é bastante complexo, com muitos percalços para os investidores que precisam planejar bem seus projetos e estimativas de retorno”, analisa Kiffer. Segundo ele, seriam muito bem-vindas medidas que dirimissem estes percalços legais e fomentassem a profissionalização da gestão da inovação e da pesquisa nas entidades públicas.
Em países como os Estados Unidos, há muitas parcerias entre empresas e universidades, o que resulta em maior produtividade. “Nada se faz sozinho na ciência, e quanto mais parceiros qualificados, melhores serão os resultados obtidos”, ressalta Birbrair.
Segundo Kiffer, apesar de existirem linhas de financiamento público e privado para pesquisa, o maior gargalo é a manutenção de investimentos duradouros, sustentáveis e alinhados com uma política nacional de ciência e pesquisa. “Flutuações e falta de perspectiva são extremamente lesivas à ciência, que tem retornos e avanços a longo prazo”.
Futuro
O Brasil é tido, por muitos pesquisadores, como um país com vocação para pesquisa em diversas áreas e é um líder na geração de conhecimento científico. Houve aprimoramento do parque tecnológico, da formação de mestres e doutores e ampliação das universidades. “A ciência do Brasil está em um nível muito bom e crescendo cada vez mais. Seguir os passos de grandes cientistas brasileiros que já fazem ciência de altíssima qualidade no Brasil e se destacam mundialmente é o objetivo a ser alcançado”, avalia Birbrair.
Mas ainda há muito a ser feito. Na opinião de Kiffer, uma boa maneira de começar seria definindo uma política nacional de fomento à ciência e à pesquisa de longo prazo. “Isto significa que esta política deveria começar fomentando a educação científica na base e seguindo até o topo das instituições acadêmicas e das empresas, com estímulos e apoios duradouros à inovação e à ciência”.
Ele comenta que existem iniciativas interessantes nas áreas de análises clínicas, como testes diagnósticos, facilidade das etapas pré-analíticas, redução de tempos de exames, processos mais econômicos e análises de big-data. “Na área farmacêutica, diversos novos medicamentos e produtos requerem o desenvolvimento conjunto de métodos analíticos clínicos. Seguramente existe um campo vasto a ser explorado. No Brasil, ressalto em particular a necessidade de se estimular pesquisas com big-data na área de análises clínicas”, avalia Kiffer.
A melhor estratégia para que a ciência possa crescer no país, na opinião de Birbrair, pode estar no intercâmbio que já ocorre em vários laboratórios brasileiros, mantendo uma troca ativa de conhecimento. “Acredito que os alunos brasileiros são de altíssima qualidade. Muitos dos cientistas que atuam nos Estados Unidos são estrangeiros, e grande parte destes são latinos, incluindo muitos brasileiros. Ou seja, a formação no Brasil é boa e isso tem que ser aproveitado”.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) investe cerca de um R$ 1 bilhão por ano em projetos de pesquisa científica e tecnológica. As bolsas são destinadas à formação de pesquisadores, desde a iniciação científica até o pós-doutorado. A fundação só pode gastar 5% da receita com questões burocráticas. Dos efetivos 95% que são investidos, para a área da saúde são destinados 27,93%, que inclui desde as bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, até os investimentos nas pesquisas da vacina contra a dengue, no Instituto Butantan – atualmente em fase de testes clínicos –, ou no desenvolvimento de testes e vacina contra o Zika, realizados pela Rede Zika, constituída pela Fundação.
A notícia de cortes nas verbas destinadas à pesquisa pelas principais agências de fomento à inovação repercutiu negativamente entre os pesquisadores brasileiros. “Os investimentos públicos precisam ser constantes, sem interrupções e alinhados às políticas de inovação nas áreas que o país almeja. Infelizmente, não são investimentos de retorno em curto prazo; em sua maioria requerem amadurecimento das fontes de financiamento para compreender que darão retorno em longo prazo”, comenta Kiffer. Diz ele, ainda, que cortes de orçamento e interrupções de financiamentos trazem prejuízos imediatos e de longo prazo à nação. Vários destes prejuízos são de muito difícil percepção imediata, e só serão sentidos daqui a alguns anos.
O mesmo se aplica aos recursos de investimentos privados, que precisam estar alinhados à política empresarial e de longo prazo. “Se o investimento em pesquisa for pontual e com visão de curto prazo, o retorno, na melhor das hipóteses, será pontual e sem grande relevância. O ambiente privado ou corporativo, nas empresas que investem em inovação, está relativamente bem preparado para gerir tais investimentos, embora ainda careça de amadurecimento em diversas áreas”.
Por Cristina Sanches
Fonte: http://www.labnetwork.com.br